Geraldo Pereira – A falsa baiana e outras histórias
Geraldo Pereira foi um dos representantes da malandragem carioca e figura conhecida nas rodas de boemia nas décadas de 1940 e 1950. Considerado o criador do samba sincopado, Geraldo é autor de músicas populares como Ministério da Economia, Escurinho, Bolinha de papel e Falsa Baiana, que tem uma história curiosa.
Na segunda-feira de carnaval do ano de 1944, o compositor Roberto Martins teria combinado com sua esposa, dona Isaura, de se encontrar no Teatro João Caetano. Cansada de esperar pelo marido, no lugar combinado, fantasiada de baiana, dona Isaura foi procurá-lo onde sabia que ele estava: Café Nice, ponto de encontro dos compositores na época. Chegando lá encontrou Roberto Martins com Geraldo Pereira. Bastante zangada, dona Isaura, não parecia e não lembrava em nada uma baiana e Roberto Martins disse a Geraldo Pereira: “Olha aí Geraldo, chegou a Falsa baiana”.
Inspirado na imagem de dona Isaura vestida de baiana e na frase do amigo, Geraldo compôs o samba que se tornou o maior sucesso da carreira de sua carreira.
Nascido em Juiz de Fora – MG, no dia 23 de abril de 1918, Geraldo Theodoro Pereira mudou para o Rio de Janeiro em 1930. Foi morar com o irmão mais velho, Manuel, na Mangueira. Fez o curso primário em uma escola em Vila Isabel, onde conheceu Buci Moreira, Padeirinho e Fernando Pimenta, que mais tarde também se tornariam sambistas. Casou-se logo depois de concluir o curso primário. Seu primeiro contato com as rodas de samba foi na casa de Alfredo Português, na Mangueira. Aprendeu a tocar violão com Aluísio Dias e Cartola. Fez parte da Ala de compositores da Escola de Samba Unidos de Mangueira, que desfilava com as cores azul e rosa.
Geraldo também promovia pequenos espetáculos teatrais para a comunidade. O morro, porém, era pequeno para Geraldo e ele decidiu tentar a sorte na cidade. Após uma rápida passagem pelo Engenho de Dentro, foi morar na Lapa. Foi trabalhar na Prefeitura do Rio de Janeiro como motorista do caminhão da limpeza pública.
Primeiras gravações
Em 1939, Geraldo Pereira teve sua primeira composição gravada. Foi o samba “Se você sair chorando”, em parceria com Nelson Teixeira, levado ao disco pelo cantor Roberto Paiva, na Odeon. O samba foi finalista do Concurso de Músicas Carnavalescas e foi muito tocado nas rádios e cantado nas ruas.
A primeira gravação abriu as portas do mundo artístico para Geraldo Pereira. Suas músicas começaram a ser notadas e, segundo o compositor Zé Pretinho chegaram até mesmo a incomodar alguns compositores, como Wilson Batista. Para testar Geraldo, Wilson Batista propôs a ele uma parceria, e juntos escreveram o famoso samba “Acertei no milhar”, gravado por Moreira da Silva, na Odeon, em 1940.
Geraldo Pereira logo ficou bastante conhecido. Ainda em 1940, escreveu com Moreira da Silva o samba “Olha a cara dela”, para o carnaval de 1941. Nessa época, Geraldo Pereira escreveu, em parceria com Augusto Garcez, “Acabou a sopa”, gravado na RCA Victor, por Cyro Monteiro. Nos anos de 1941 e 1942 teve mais 14 sambas gravados pelos cantores mais famosos da época. Em 1943, Odete Amaral gravou dois sambas de Geraldo Pereira: “Resignação”, parceria com Arnô Provenzano, e “Jamais acontecerá”, em parceria com Djalma Mafra. Porém, o maior intérprete de Geraldo Pereira foi Cyro Monteiro. Havia uma afinidade pessoal muito grande entre os dois e um entrosamento perfeito entre o compositor e o cantor. Pode-se dizer mesmo que as interpretações de Cyro Monteiro concorreram fortemente para o sucesso de Geraldo. Em 1943, mais uma de suas músicas fez sucesso na voz de Cyro: o samba “Você está sumindo”.
Bolinha de papel foi mais uma composição de grande sucesso de Geraldo Pereira. A música teria sido feita para uma das namoradas do compositor, que ele tirou do morro e “montou casa”, como se dizia na época. O samba demonstra a característica rítmica e a melodia bem adequada a uma conversa de malandro conquistador. O samba foi gravado pelo conjunto “Anjos do Inferno”. Com uma interpretação harmoniosa, o samba caiu logo no gosto popular e tornou-se um dos maiores êxitos do ano de 1945.
Geraldo estreia como cantor
Foi também em 1945 que Geraldo Pereira estreou como cantor. A Gravadora Continental estava fazendo testes para selecionar novos cantores e Geraldo foi um dos escolhidos. Gravou dois sambas: “Mais um milagre” e “Bonde Piedade”. A experiência, no entanto, não foi bem-sucedida e o disco passou despercebido pelo público. Nos anos seguintes suas composições continuaram sendo gravadas. No fim da década de 1940, as gravações foram rareando e em 1948, Geraldo Pereira teve apenas três composições gravadas. “Brigaram pra valer”, de Geraldo Pereira e J. Batista, foi gravado por Roberto Paiva, e os sambas “Chegou a bonitona” e “Que samba bom” foram gravados por Blecaute.
Geraldo Pereira voltou a gravar em 1950. Foi quando lançou o samba “Pedro Pedregulho”, de sua autoria. No ano seguinte, em 1951, Getúlio Vargas venceu as eleições e assumiu novamente a Presidência da República. Uma das medidas do novo governo, na tentativa de sanar as finanças e combater a inflação, foi a criação do Ministério da Economia. A medida inspirou Geraldo Pereira que, em parceria com Arnaldo Passos, escreveu o samba “Ministério da Economia”. A composição ironizava, de uma forma bem-humorada, a criação da nova pasta. A música foi muito bem-aceita e logo se popularizou.
https://youtu.be/ggvsR2FTpKY
Geraldo Pereira passou a gravar regularmente e deixou um total de 30 gravações. Uma de suas últimas composições, foi o samba “Cabritada mal sucedida”, em parceria com Wilton Wanderley. A gravação foi feita por ele mesmo, em março de 1953, na RCA Victor. Nesta música, Geraldo Pereira retorna às suas origens, tanto na cadência ritmada do samba, quanto no tema popular. Nota-se também as excelentes qualidades de Geraldo como cantor e fica bem clara em sua interpretação a influência de seu cantor preferido, Cyro Monteiro.
Escurinho
O último sucesso
Em 1954, Geraldo Pereira compôs seu último grande sucesso: “Escurinho”. O samba conta a história de um malandro carioca que de repente muda seu comportamento e passa a “perturbar a ordem pública” nos morros da cidade. A música foi lançada no ano seguinte por Cyro Monteiro, que com sua interpretação deu vida ao personagem criado por Geraldo.
No início de maio de 1955, Geraldo Pereira foi internado no Hospital dos Servidores Municipais, onde faleceu no dia 8 do mesmo mês, aos 37 anos de idade, em consequência de uma hemorragia intestinal. Na época, surgiu outra versão para a morte do compositor: Geraldo teria batido com a cabeça no meio-fio, após levar um soco do famoso malandro da Lapa Madame Satã.
O cantor Cyro Monteiro foi quem acompanhou os últimos dias de Geraldo e providenciou o enterro. Segundo o jornal Diário Carioca, esse foi um dos últimos pedidos dele:
– Eu não quero morrer sem antes me despedir de Cyro Monteiro. O senhor poderia dizer a ele para dar um pulo aqui, se não for incômodo? – disse Geraldo ao médico que o atendia.
E Cyro Monteiro apareceu.
– Amigo – disse Geraldo – chegou o fim. Cuide bem do nosso Escurinho. Que ele seja uma segunda Falsa Baiana.