Ismael Silva, o Rei do Samba do Estácio

Ismael Silva, o Rei do Samba do Estácio

Se você jurar
Que me tem amor
Eu posso me regenerar
Mas, se é para fingir, mulher
A orgia, assim, não vou deixar

Se você jurar é considerado um dos sambas mais expressivos do cancioneiro carioca da década de 1930. Foi escrito por Ismael Silva, em parceria com Nilton Bastos, e gravado por um dos maiores cantores da época: Francisco Alves. Este samba levou a delírio o público presente no antigo Teatro Lírico, no Concurso de Sambas e Marchas para o carnaval, promovido pela Casa Edison, em 15 de janeiro de 1931, e consagrou definitivamente seus autores.

Ismael Silva entrou para a história como o Rei do samba. Ele foi o responsável pela mudança rítmica no samba. Entre seus maiores sucessos estão: “Amor de malandro”, “Para me livrar do mal”, “Tristezas não pagam dívidas” e “Antonico”. Ismael foi também um dos fundadores da primeira escola de samba, a Deixa falar, do Estácio.

Ismael nasceu na Praia do Jurujuba, em Niterói, no dia 14 de setembro de 1905, mas foi no bairro do Estácio, no Rio de Janeiro, que cresceu e se tornou famoso como sambista.

Seu nome de batismo era Milton de Oliveira Ismael da Silva. Era filho de Benjamim da Silva e de Emília Correia Chaves. Ficou órfão de pai aos três anos de idade. Nessa mesma época, dona Emília, decidiu mudar-se para o Estácio, onde passou a trabalhar como lavadeira para sustentar a família.

Lutando para sobreviver, dona Emília não entendia o desejo de Ismael de estudar, como toda criança. Quando o menino dizia que queria ir para a escola, a mãe o enrolava dizendo: “Amanhã eu levo”. Aos sete anos, Ismael decidiu tomar a iniciativa. Todos os dias eu ficava pedindo pra minha mãe me levar ao colégio. E ela, pra se livrar de mim, ficava: ‘Amanhã eu levo… ’ Até que um dia, sem ninguém saber, entrei pelo colégio adentro… cheguei na primeira sala, que era a da diretora, e ela me perguntou o que eu queria. Eu disse que queria estudar… eu quero saber ler e tal… – contou Ismael em seu depoimento ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro.

Ismael fez o curso primário e aos 18 anos terminou o ginasial. Já compunha e tocava tamborim. Sua primeira composição foi o samba “Já desisti”, que não chegou a ser gravado.

Gostava de frequentar as serenatas do Catumbi, Estácio e Rio Comprido. Tinha muita facilidade para compor. Com seus versos espontâneos, logo se tornou respeitado entre os sambistas como um bom elemento.

 

O primeiro sucesso

O pianista Orlando Thomas Coelho costumava tocar as composições de Ismael Silva em uma loja no centro da cidade. O cantor Francisco Alves ouviu e mandou para Ismael uma proposta de comprar um de seus sambas. A história foi contada pelo compositor à revista Carioca, em 1940:

Nessa época eu me achava recolhido a uma casa de saúde, onde tive de permanecer por um mês, sofrendo uma enfermidade adquirida nas noites de frio e serenata. Porém, antes da minha “alta”, ali mesmo no leito do hospital, recebi um portador de Chico Viola, que havia mandado saber se eu queria vender um samba meu, recente, já bastante conhecido no meio dos sambistas, e que agradara em cheio. Sem hesitar, aceitei a proposta, e logo no dia seguinte recebi do mesmo portador a quantia estipulada e uma declaração pronta para assinar. Foi assim lançada, na cidade, a minha primeira composição, feita por cantor de público, que fez grande sucesso e acabou sendo então um êxito financeiro e artístico que não esperávamos.

O samba chamava-se “Me faz carinhos”. Foi gravado em 1928 e muito tocado nas rádios, mas o nome que apareceu no selo do disco como autor foi o de Francisco Alves.

 

 

O sucesso de “Me faz carinhos” levou Francisco Alves a procurar pessoalmente Ismael Silva. Chico propôs a Ismael exclusividade e parceria, e em troca, gravaria todas as suas composições. O compositor aceitou. Mais tarde, um amigo de Ismael, o compositor Nilton Bastos foi incluído no negócio. Nasceu assim o trio chamado “Bambas do Estácio”. Ismael Silva e Nilton Bastos escreviam e Francisco Alves cantava. Nos discos, os três apareciam como autores das músicas. Em 1930, entre outras composições do trio, o samba “Se você jurar” foi sucesso nas vozes de Francisco Alves e Mário Reis.

 

Professor de Samba

Até a década de 1920 não havia uma organização do carnaval. Os folguedos eram marcados por encontros violentos entre grupos de foliões. Por pressões da polícia, os foliões passaram a se organizar em cordões, blocos e ranchos, uma forma bem mais civilizada de brincar o carnaval. Surgiram então as figuras do mestre-sala, da porta-estandarte e passistas ricamente vestidos. No entanto, o ritmo das marchas-rancho era considerado muito lento pelos foliões.

Pensando em levar o ritmo do samba para as ruas, Ismael Silva e a rapaziada do Estácio formaram, em 1928, um bloco chamado “Deixa falar”. Havia próximo ao Estácio, uma Escola Normal, onde se formavam as professoras. Ismael pensou então em transformar o “Deixa falar” em uma escola onde se formassem sambistas. Surgiu assim a primeira “Escola de Samba”.

Ismael foi um dos responsáveis pela mudança do ritmo do samba. Ele e os compositores do Estácio decidiram criar um ritmo em que se pudesse cantar, dançar e desfilar ao mesmo tempo Segundo Ismael Silva, o estilo não dava para andar. O samba era assim: tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar na rua assim? Aí a gente começou a fazer samba assim: bumbum paticumbumprucurundum.

A Deixa Falar desfilou de 1929 a 1931. Com a morte de dois de seus fundadores, Nilton Bastos e Edgar Marcelino, a escola entrou em decadência. Mas a semente estava plantada. A morte de Nilton Bastos afetou profundamente Ismael Silva. O compositor mudou-se do Estácio por sofrer muito com a saudade do amigo, sempre que passava pelos lugares que frequentavam juntos. Em homenagem ao amigo falecido, Ismael compôs o samba “Rir pra não chorar”, gravado em 1931, por Francisco Alves e Mário Reis.

 

A parceria com Noel Rosa

A vida de Ismael continuou sem novidades. Mantinha a parceria com Francisco Alves, onde ele entrava com as composições e o Chico com as gravações. Até que em 1932, por intermédio de Francisco Alves, conheceu o compositor Noel Rosa. O Poeta da Vila ficou entusiasmado com a primeira parte de uma música que Ismael acabara de escrever e pediu para fazer a segunda parte.

Havia um determinado bar, aonde quem chegava primeiro esperava o outro, todos os dias. Então, quando eu fui chegando, numa determinada tarde, eles já estavam. Então a primeira coisa que falei quando deles me aproximei foi um samba, um estribilho que eu vinha fazendo na viagem. Quando eu anunciei isso, pediram para eu cantar. Cantei. O Noël perguntou-me, dessa maneira: “- ô Ismael, deixa eu fazer a segunda parte?”
E assim é que nasceu o samba “Quem não quer sou eu”. – contou Ismael Silva em entrevista a Fernando Faro, no Programa Ensaio.

Chico Alves viu a possibilidade de Noel integrar o trio de compositores, no lugar de Nilton Bastos. Noel aceitou desde que tudo o que ele escrevesse, não constasse como parceria. Chico concordou. A parceria deu certo e várias músicas foram produzidas, entre elas o grande sucesso “Pra me livrar do mal”, levado ao disco em 1932.

 

Ismael Silva já havia estreado como cantor em 1931. A parceria com Noel Rosa resultou em vários sucessos, alguns deles, gravados pela dupla. Para o carnaval de 1933, Ismael Silva teve cinco composições suas e de Noel inscritas no Concurso de Músicas Carnavalescas, realizado no Teatro João Caetano. Ismael participou ativamente, cantando não só suas composições como também músicas de outros autores. Com Noel Rosa, gravou a marcha “Seu Jacinto”.

A partir de 1934, Ismael Silva foi se afastando de sua dependência de Francisco Alves. Vários intérpretes da época procuravam Ismael para gravar suas músicas. A parceria com Noel Rosa terminou na mesma época. A última composição da dupla foi o samba “Boa viagem”, gravado por Aurora Miranda.

 

 

Tempos difíceis

A carreira de Ismael Silva sofreu um revés em 1935. O compositor envolveu-se em uma briga de rua e foi condenado a uma pena de reclusão que durou três anos, por tentativa de homicídio. Nesse período, foi abandonado pelos amigos e teve raras composições suas gravadas. Em 1935, Silvio Caldas gravou “Agradeças a Deus” e “Cara feia é fome”. É também deste ano a última gravação por Francisco Alves de uma composição de Ismael Silva, o samba “Choro Sim”.

Após uma longa ausência do meio artístico, durante sua reclusão, Ismael Silva retornou em 1939. Já não havia a parceria com Francisco Alves e Noël Rosa tinha morrido. Agora sem parceiros, Ismael continuou compondo, mas sem a intensidade de antes. Ainda em 1939, J.B. de Carvalho gravou o samba “Com a vida que pediste a Deus” e Cyro Monteiro, a marcha “Eu sou um”. No início da década de 1940, teve outras composições gravadas, mas sem o mesmo sucesso. Em 1942, o samba “Por causa de alguém” foi gravado com sucesso pela cantora Odete Amaral.

Antonico

Em 1950, Ismael Silva fez as pazes com o sucesso com o samba “Antonico”. A composição reflete o contexto sócio-político da época onde um amigo influente às vezes era a salvação de um trabalhador desempregado. A história teria sido inspirada em uma carta que Pixinguinha escreveu para Mozart Araújo, com a intenção de ajudar o próprio Ismael. Gravado por Alcides Gerardi, “Antonico” se tornou um clássico da Música Popular Brasileira, recebendo várias regravações.

Durante década de 1950, a produção musical de Ismael Silva escasseou ainda mais. Após a gravação de “Meu único desejo”, por Gilberto Alves, do samba “Dá o fora” e da marcha “Comilão”, gravadas pelo próprio Ismael, o compositor só voltou a ter uma música gravada em 1954, quando Dolores Duran gravou o único samba-canção escrito por ele: “Tradição”.

 

 

Em 1955, Ismael Silva participou ainda de alguns shows e espetáculos. Em 1957, lançou o LP “Ismael canta”, com antigos sucessos. Em 1960, foi agraciado com os títulos de “Cidadão Samba” e “Carioca honorário”, este último, concedido pela Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Entre 1963 e 1964, se apresentou no Bar Zicartola. O último show de Ismael Silva aconteceu em 1973, quando ao lado de Carmen Costa, atuou em “Se você jurar”, produzido e dirigido por Ricardo Cravo Albin. No mesmo ano, gravou seu último LP, intitulado “Se você jurar”, com músicas antigas e inéditas.

Ismael Silva faleceu no dia 14 de março de 1978, ano em que completaria 73 anos de idade.

No dia 14 de março de 1978, um infarto tirou a vida de Ismael Silva.

Em sua última entrevista, em janeiro de 1978, ao Jornal do Brasil, relembrou os mais de 50 anos de vida artística, contou que ainda pretendia fazer shows e mostrou ao jornalista Tim Lopes duas composições inéditas e ainda sem título.

Teu espelho te engana que és bela
E receio de ficar abandonado
Ele sabe que não és mais aquela
Que deixava todo mundo deslumbrado

Conseguias tudo que sempre querias
E não querias tudo que podias conseguir
E pensando estar ainda naqueles dias
Hoje vives procurando a ti mesma iludir

Não és mais nem coisa parecida
Com a pessoa referida que atraía multidões
Mesmo onde eras querida
Quando tu és percebida é com insinuações
Uma amizade modesta hoje é só o que te resta

De todo aquele apogeu
Eu não sou de dar conselhos
Mas não vai mudar de espelho
Basta mudar teu eu

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Se não queria ela ser amada
A culpada foi a natureza
Por ter feito em troca de nada
Uma deusa com tanta beleza

E é tão simples que até desconhece
Que não deixa nada a desejar
Quanta gente por ela padece
Ninguém pode ver sem amar

Com seus encantos que tantos consomem
Com duas feições e graças divinais
Ela poderia fazer de um homem
O mais invejado dos mortais

 

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