A eterna Rainha do choro, Ademilde Fonseca

A eterna Rainha do choro, Ademilde Fonseca
Texto: Patrícia Rodrigues                     Foto: Arquivo Nacional – Correio da Manhã

Ademilde Fonseca revolucionou o choro, mostrando que é possível cantar um gênero antes estritamente instrumental. A eterna “Rainha do choro”, conhecida e respeitada no Brasil e no exterior, através das gerações, foi uma das responsáveis pela permanência do choro em nossa cultura musical. Absoluta em seu estilo, Ademilde tinha uma maneira toda original de cantar, dizendo com rapidez inúmeras palavras, sem desafinar, sem perder o fôlego e sem misturar as frases.

Nascida em Pirituba, no Rio Grande do Norte, no dia 4 de março de 1921, era filha de Raymundo Ferreira da Fonseca e Maria Amélia da Fonseca e tinha mais nove irmãos. Aos 4 anos de idade, mudou-se com a família para Natal e foi estudar no Grupo Escolar Antônio de Souza. Nessa época, já gostava de cantar e aprendeu seu primeiro chorinho. A menina foi crescendo e o gosto pelo canto aumentando. Ainda adolescente, começou a participar de serestas, tornando-se conhecida na cidade de Natal. Em 1941, casou-se com o violonista Nadilmar Gedeão Delfino e um ano depois se mudou para o Rio de Janeiro. Na mesma época, Ademilde foi apresentada a Gastão do Rego Monteiro, então locutor-chefe da Rádio Clube do Brasil. Ele levou a cantora até Renato Murce, diretor artístico da emissora, para fazer um teste. Impressionado com a voz da jovem, Renato Murce escalou Ademilde para cantar em alguns programas da PRA-3. Na rádio, conheceu Benedito Lacerda. O músico teve grande influência na carreira de Ademilde.

Foi por intermédio de Benedito Lacerda que Ademilde teve a oportunidade de mostrar todo o seu talento para o choro. Em 1942, ele a convidou para participar de uma festa na Gávea, onde ele ia tocar. Quando Benedito solou o choro “Tico-tico no fubá”. Ademilde falou: – Eu sei a letra dessa música. – Sabe nada menina, isso não tem letra! – respondeu o músico. Ademilde insistiu: “Tem! Eu vou cantar pra você”.

Tico-tico no fubá abriu as portas do sucesso para a cantora e foi a prova de fogo para o seu primeiro disco. Benedito Lacerda gostou muito da interpretação de Ademilde e decidiu levar a cantora até a gravadora Columbia. Foi assim, que em 10 de agosto de 1942, gravou seu primeiro disco. De um lado, “Tico-tico no fubá”, de Zequinha de Abreu e Eurico Barreiros, e do outro lado, o samba “Volte pro morro”, de Darci de Oliveira e Benedito Lacerda.

A primeira gravação foi um sucesso. A voz aguda e a facilidade na divisão musical permitiram que ela cantasse com tanta propriedade o gênero chorinho, que até então era só instrumental. Vários compositores colocaram letras em seus choros, que passaram então a ser cantados. Mas Ademilde fazia a diferença e ficou conhecida como “A Rainha do Choro”.

Em 1943, foi contratada pela Rádio Tupi. A cantora tornou-se popular em todo o Brasil e passou a ser convidada para se apresentar nas principais cidades do país. No mesmo ano, levou ao disco outro chorinho de grande sucesso: “Apanhei-te cavaquinho”, de Ernesto Nazareth, Darci de Oliveira e Benedito Lacerda, com acompanhamento do Regional de Benedito Lacerda, com o ainda desconhecido Luiz Gonzaga, na sanfona.

O sucesso de Ademilde Fonseca ultrapassou as fronteiras. Seus chorinhos ficaram conhecidos até mesmo nos Estados Unidos. As partituras de “Tico-tico no fubá” foram vendidas em quase todo o mundo. No Brasil, aconteceu outro fenômeno. Diferentes gêneros musicais passaram a ser adaptados para chorinho, como a polca “Rato, rato”, de Casimiro Rocha e Claudino Costa, e a música regional nordestina “Xem-em-em”, de Geraldo Medeiros e Nestor de Holanda. As duas músicas foram gravadas em 1945, por Ademilde Fonseca. “Xem-em-em” foi mais um sucesso de Ademilde que teve repercussão internacional. Assim como “Tico-tico no fubá”, a partitura de “Xem-em-em” também foi enviada para os Estados Unidos.

 Ademilde Fonseca não cantava somente chorinhos. Um de seus maiores sucessos foi alcançado com um baião. Mais uma vez, a cantora exibe sua grande extensão vocal, afinação perfeita e a correta dicção na interpretação de uma música inicialmente escrita para instrumento e gravada pelo autor Waldir Azevedo. Falamos do baião “Delicado”, que recebeu letra de Ari Vieira e foi gravado em 1951, por Ademilde. Além do grande sucesso, “Delicado” foi recordista de vendas na ocasião.

 Ademilde Fonseca brilhou também no cenário internacional. Em 1952, junto com a Orquestra Tabajara, de Severino Araújo, excursionou à França, onde participou de um espetáculo em Paris, produzido por Assis Chateaubriand. Mais tarde, voltou a Europa, onde se apresentou em Portugal e na Espanha. Ademilde Fonseca continuou também fazendo sucesso no disco. Em 1953, gravou os chorinhos “Doce melodia”, de Abel Ferreira e Luiz Antonio, “Sapatinhos”, de Dilú Melo e “Vaidoso”, de Poly e Juracy Rago. São desta época também as gravações da toada “Se amar é bom”, de José Maria de Abreu e Antonio Domingues, e do baião “Meu Cariri”, de Dilú Melo e Rosil Cavalcanti.

Já consagrada como uma das grandes cantoras brasileiras, Ademilde Fonseca foi contratada pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em junho de 1954. Permaneceu na emissora até 1972. Na PRE-8, apresentou-se com os regionais de Canhoto, Jacob do bandolim e Pixinguinha, e com as orquestras de Radamés Gnattali e do maestro Chiquinho. Participou de diversos programas como “Quando canta o Brasil”, “Carrossel Musical”, “Tabuleiro da Baiana”, “Deixa eu cantar com você”, entre outros.

Ademilde Fonseca sempre se declarou fã de Carmen Miranda e não escondia seu desejo de conhecer a cantora. Infelizmente, Ademilde só pode ver Carmen no velório da “Pequena Notável”, em agosto de 1955. Em homenagem à Carmen, Ademilde Fonseca gravou, em 1958, o LP “À la Miranda”, no qual interpreta músicas que foram sucesso na voz da “Embaixatriz do samba”, como “O tic-tac do meu coração”, de Alcyr Pires Vermelho e Walfrido Silva.

Mesmo com o fim da chamada “Era de Ouro do Rádio”, a carreira de Ademilde prosseguiu. Durante a década de 60, Ademilde Fonseca se apresentou em diversas emissoras de rádio e TV nas principais cidades brasileiras. Lançou vários LPs com sucessos antigos e músicas inéditas. Em 1967, participou do “Segundo Festival Internacional da Canção”, da TV Globo, interpretando o choro “Fala baixinho”, de Pixinguinha e Hernmínio Bello de Carvalho. Em 1975, Ademilde gravou o LP “A Rainha do Chorinho”, com composições inéditas de autores como Paulinho da Viola, Martinho da Vila, Nelson Cavaquinho, entre outros. Uma das faixas do LP é uma homenagem de João Bosco e Aldir Blanc à Ademilde Fonseca. A música “Títulos de nobreza – Ademilde no choro” reúne vários títulos de chorinhos gravados pela cantora.

Nas décadas seguintes, Ademilde Fonseca prosseguiu com suas atividades artísticas, conservando sempre sua proximidade com o público. A partir de 2004, passou a se apresentar com a filha Eymar Fonseca. Juntas, participaram dos festivais “Na cadência do choro”, no Circo Voador, em 2005, e em 2007, “A noite do chorinho”, em Conservatória. Também em 2007, foi homenageada pela Escola de Samba Imperatriz Alecrinense, em Natal, Rio Grande do Norte. No ano seguinte, passou a integrar o conjunto “As cantoras do rádio”, junto com Carmélia Alves, Ellen de Lima e Carminha Mascarenhas. Em reconhecimento à sua contribuição para o engrandecimento da nossa cultura foi agraciada com a medalha Pedro Ernesto, a mais alta condecoração concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Ademilde Fonseca faleceu em 27 de março de 2012, aos 91 anos de idade.

 

admin

error: Content is protected !!