Nora Ney – 100 anos
Texto: Patrícia Rodrigues
Foto: Arquivo Nacional – Correio da Manhã
Uma das maiores cantoras da MPB, Nora Ney estaria completando 100 anos este ano.
Iracema de Souza Ferreira nasceu no dia 20 de março de 1922, no bairro de Olaria, no Rio de Janeiro. A musicalidade da menina surgiu de forma espontânea e foi logo notada pelo pai. As irmãs de Iracema estudavam violão e a menina começou a tocar de ouvido. O pai, então, deu-lhe de presente um violão. Mais tarde, estudou teoria musical e solfejo com Aída Gnattali. Foi aluna do Colégio Amaro Cavalcante e costumava alternar as aulas com apresentações no programa de Napoleão Tavares, na Rádio Cruzeiro do Sul.
Iracema gostava da música norte-americana, particularmente aquelas cantadas por Frank Sinatra. Em 1951, passou a frequentar a casa de Dick Farney, onde participava das reuniões do Sinatra-Farney fã-clube. Nessa época, foi ouvida por Lúcio Alves, que a apresentou a Sérgio Vasconcelos, então diretor da Rádio Tupi. Começou assim a carreira profissional de Iracema, agora com nome artístico de Nora May, sugerido por Sérgio Vasconcelos. Ela passou a se apresentar no programa “Fantasias de musicais”, de José Mauro, sempre cantando em inglês.
Nora começou a ser notada e seu prestígio aumentava cada vez mais. Na mesma época, foi convidada por Almirante para substituir Aracy de Almeida, que havia entrado de férias. Nora teria de cantar músicas de Noel Rosa. Foi quando passou a cantar músicas em português. Sua primeira interpretação foi o samba “Último desejo”.
Haroldo Barbosa, então produtor e redator de vários programas da emissora, gostou muito de ouvir Nora cantando em português e a escalou para participar de “Viva o samba”. Ele pressentiu que a partir de Nora May, iria acontecer uma mudança radical na interpretação da Música Popular Brasileira. Haroldo chegou a dizer a Nora: “Você vai fazer escola…”. Com o sucesso crescente no rádio, começaram a chegar cartas para a cantora. Numa delas, uma fã a chamou de “Nora Ney”. A cantora gostou do som e da grafia e decidiu mudar novamente o nome.
Nora Ney tornava-se cada vez mais conhecida. Foi contratada para cantar na boate “Midnight”, do Copacabana Palace. Foi lá que ela conheceu o compositor Antônio Maria. Em 1952, os dois estrearam juntos no disco, com a gravação por Nora Ney do samba acalanto “Menino grande”, de Antônio Maria.
A forma personalíssima de cantar de Nora Ney foi se firmando cada vez mais, tanto no rádio, quanto na boate “Midnight”. Foi a partir de suas apresentações no Copacabana Palace que a cantora chegou à Rádio Nacional, ainda em 1952.
A atuação na emissora da Praça Mauá, fez com que ela ficasse conhecida em todo o Brasil. Suas gravações tornaram-se grande sucesso. No mesmo ano, Nora gravou o samba-canção “Ninguém me ama”, de Antonio Maria e Fernando Lobo. A música ficou em primeiro lugar nas paradas durante muito tempo. Anos mais tarde, foi gravada por Nat King Cole, que aprendeu a música em português com a própria Nora Ney.
A carreira artística de Nora Ney sempre fluiu sem obstáculos. Entretanto, sua vida amorosa foi bem atribulada. No início da década de 40, ela havia se casado com Cleido Maia, com quem teve dois filhos: Hélio e Vera Lúcia. O casal tinha muitas divergências. O marido procurava de todas as formas impedir que Nora seguisse a carreira de cantora. Quando veio a estabilidade financeira com o contrato do Copacabana Palace, Nora Ney decidiu separar-se do marido. Em 1952, no mesmo Copacabana Palace, Nora Ney conheceu o cantor Jorge Goulart, após um período conturbado, assumiram um relacionamento e viveram juntos até a morte da cantora em 2003.
O sucesso de Nora Ney, levou a cantora a atuar também no cinema. Participou dos filmes “Carnaval da Atlântida”, “Carnaval em Caxias”, “Guerra ao samba”, “Carnaval em lá maior”, entre outros. Ainda no ano de 1953, várias gravações de Nora Ney se destacaram. Entre elas, “De cigarro em cigarro”, de Luís Bonfá; “Preconceito”, de Antônio Maria e Fernando Lobo, e “É tão gostoso se moço”, de Mário Lago e Chocolate. É também deste ano a gravação de um de seus maiores sucessos: o samba canção de Haroldo Barbosa e Bidú Reis, “Bar da noite”.
Nora Ney, que sempre gostou da música norte-americana, foi a primeira cantora brasileira a gravar um rock. Em 1955, gravou “Rock around the clock”, de Max Freedman e Jimmy de Knight, lançado nos Estados Unidos por Bill Halley. Nora demonstrou toda a sua versatilidade, dando a interpretação que o ritmo exigia e usando um timbre de voz bem mais leve e alegre.
No ano de 1957, Nora Ney assinou contrato com a RCA Victor. No disco de estreia na gravadora, Nora Ney foi homenageada pelos colegas compositores e cantores que entregaram à cantora músicas feitas especialmente para a voz e o estilo de Nora Ney. É deste disco, o samba “Vai, mas vai mesmo”, de Ataulfo Alves. Sobre essa gravação, Ataulfo fez o seguinte comentário: “Eu agora estou com tudo: na intérprete que encontrei meu samba está mais graúdo, cantado por Nora Ney.
No fim década de 50, Nora Ney e Jorge Goulart excursionaram a diversos países do Leste Europeu e a China. Além deles, integravam o grupo: Paulo Moura, Conjunto Farroupilha, Dolores Duran e Carmélia Alves. Fizeram vários shows divulgando a Música Popular Brasileira. Durante a década de 60, Nora Ney continuou fazendo sucesso no disco e em shows. Em 1964, veio o Golpe Militar e instalou uma ditadura no Brasil. Nora Ney e Jorge Goulart foram dois dos artistas demitidos da Rádio Nacional pelo Ato Institucional número 1. Passaram então a excursionar por diversos países. Voltaram à Rússia e outros países do Leste Europeu. Foram também a Portugal e à África Portuguesa. Em 1971, de volta ao Brasil, fizeram uma temporada na boate “Feitiço da Vila”, em Belo Horizonte. Em 1972, Nora Ney lançou o LP “Tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor”. Entre as músicas deste LP, está “Quando eu me chamar saudade”, de Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito.
Nas décadas de 70 e 80, Nora Ney lançou alguns LPs e continuou se apresentando em shows, junto com Jorge Goulart. Entre os anos de 1989 e 1992, fez parte do conjunto “As cantoras do rádio”, junto com Carmélia Alves, Rosita Gonzalez, Ellen de Lima, Violeta Cavalcanti e Zezé Gonzaga. Em 1992, sofreu um acidente vascular cerebral, que deixou sequelas e a impediu de cantar. Nora Ney faleceu no dia 28 de outubro de 2003, aos 82 anos de idade.
Texto de Patrícia Rodrigues, apresentado por Gerdal dos Santos, em 20 de março de 2010, no Programa Onde canta o sabiá, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro.