Marília Baptista – A Princesinha do Samba

Marília Baptista – A Princesinha do Samba

Por Patrícia Rodrigues

Marília Batista foi uma das maiores cantoras do rádio brasileiro nos anos 30 e 40. A Princesinha do Samba, como ficou conhecida na época, começou a carreira muito cedo. Tinha apenas 13 anos quando se apresentou em público pela primeira vez. Entrou para a história como uma das intérpretes preferidas do compositor Noël Rosa. Além de cantora, Marília era violonista clássica e também compositora. Em seu repertório possui composições levadas ao disco por grandes nomes da música brasileira como Francisco Alves, Aracy de Almeida, Elizeth Cardoso e Dóris Monteiro, entre outros.

Marília Monteiro de Barros Baptista nasceu no Rio de Janeiro, no dia 18 de abril de1917. Era filha do médico do Exército Renato Hutto Baptista e Edith Monteiro de Barros Baptista. Orgulhava-se de ser neta de Barão. A mãe de Marília descendia de uma família nobre. Dona Edith era filha do Barão Luis de Souza Monteiro de Barros, fazendeiro e comerciante de café na região de Barra Mansa. Marília não chegou a conhecer o avô, falecido em 31 de agosto de 1896. Porém, herdou dele, que também era poeta, a facilidade para escrever versos.

A história artística de Marília Batista começa na década de 1920, quando, com apenas oito anos de idade, se encantou por um violão esquecido em sua casa. Sozinha começou a dedilhar e tirar sons. Junto com os irmãos Renato e Henrique gostava de inventar músicas e fazer versos.

Um amigo do pai de Marília, impressionado com o talento da menina, sugeriu que ela fizesse um recital no Cassino Beira Mar. Foi assim que Marília Baptista cantou pela primeira vez em público, no dia 29 de agosto de 1930.

O recital foi um sucesso e lhe abriu as portas para o mundo artístico. A pequena Marília via seu sonho tornar-se realidade. Passou a ser convidada para participar de recitais e horas de arte em diversos clubes da época. O violonista Josué de Barros, descobridor e incentivador de Carmen Miranda e de muitos artistas, ficou encantado com o talento da menina e se ofereceu para ensinar gratuitamente os mistérios do violão. Josué de Barros levou Marília também para se apresentar no rádio. Fui aluna de violão de um grande baiano – Josué de Barros. Foi este baiano que lançou Carmen Miranda. Ele me viu cantar no Teatro Cassino Beira-mar, e fez questão de me ensinar violão de graça – nunca aceitou receber nada, apesar da resistência de meu pai – e vivia de dar aulas. Ele lançou Carmen Miranda e me ajudou muito também. Me ensinou muito, dizia ele, tudo o que sabia.

No ano seguinte, Marília foi convidada para se apresentar no espetáculo “Uma hora de arte”, no Grêmio Esportivo 11 de junho. Marília levou seu violão, do qual tinha muito ciúme. Após sua apresentação, deixou o instrumento sobre uma mesa e de repente veio um rapaz estranho, pegou o violão e foi para o palco. Marília foi atrás do violão. Não queria saber do cantor. Porém, ao ouvir a primeira música, ficou encantada e chegou mesmo a esquecer do violão. Foi assim que Marília conheceu Noel Rosa.

Dois anos depois, Marília gravou o seu primeiro disco, com duas composições dela, em parceria com o irmão Henrique: “Me larga” e “Pedi, implorei”.

As músicas de Marília Baptista começaram a tocar no rádio. Em 1932, a jovem cantora foi convidada para cantar no Broadway Cocktail, no Cine Teatro Broadway. A plateia viu subir ao palco uma menina com um violão que parecia enorme para ela. Marília sentou-se em uma cadeira e começou a cantar. O público ficou admirado com a voz potente e a forma adulta de cantar da artista. Foi um enorme sucesso. Adhemar Casé assistiu ao espetáculo e convidou Marília para fazer parte do cast do famoso “Programa Casé”, apresentado por ele na Rádio Philips. A estreia foi em 1933. Foi quando Marília e Noël se reencontraram.

Marília e seu violão ficaram famosos no Programa Casé. A cantora participava de rodas de samba, dos desafios e de vários números com Noël Rosa. Recebia cartas de todo o Brasil e chegou a ser chamada de “a grande estrela do rádio brasileiro”. Ganhou até um prefixo no programa: “Fala o Programa Casé. Veja se advinha quem é? Faço a pergunta por troça. Pois todo mundo já conhece a garota da voz grossa”. Na mesma época, recebeu do radialista Paulo Roberto o título de “Princesinha do Samba”.

Hamilton Burns, Luiz Barbosa, Marília e Noël Rosa

Em 1936, Marília Baptista se apresentou no “Cocktail das Estrelas”, promovido pela Revista Carioca, com a música “Nunca Mais”, de sua autoria. No mesmo ano, cantou na inauguração da Rádio Nacional e foi contratada pela emissora.

Além da Rádio Philips, Marília Batista apresentava-se também no programa “Samba e outras coisas”, criado por ela e seus irmãos Henrique e Renato. O programa estreou na Rádio Cajuti, em 1936, e depois passou para a Rádio Educadora do Brasil. Marília Batista apresentava músicas escritas por ela e seus irmãos. A cantora foi também a responsável pelo lançamento de várias composições de Noel Rosa. O Poeta da Vila dizia que quando Marília cantava suas músicas ele aprendia a cantá-las novamente com ela. Em 1936, os dois gravaram três discos em dueto. O primeiro deles foi com as músicas “De babado” e “Cem mil réis”, que os dois cantariam juntos no filme “Cidade Mulher”, em 1936, segundo a revista Carioca. O que acabou não acontecendo, devido à doença de Noël Rosa.

 

Além da parceria musical, Marília Baptista tinha uma grande amizade com Noël Rosa. Quando o “Poeta da Vila” faleceu, em maio de 1937, a mãe do compositor, entregou a Marília várias anotações, letras inéditas e um exemplar do “Dicionário de rimas”, de Guimarães Passos, que pertenciam a Noël. Em uma entrevista à Revista Diretrizes, em 1941, Marília Baptista fez questão que ficasse registrado que Noël Rosa foi o maior amigo que ela teve na vida. Em 1940, em homenagem ao compositor, Marília Baptista gravou o samba “Silêncio de um minuto”, de Noël Rosa.

 

Marília Baptista foi contratada pela Rádio Mayrink Veiga em fevereiro de 1940. A cantora continuou se apresentando também no programa “Samba e outras coisas”, agora na Rádio Cruzeiro do Sul. Em 1942, já de volta a Rádio Nacional, passou a fazer parte do conjunto vocal “As Três Marias”. O produtor José Mauro foi quem teve a ideia de criar o conjunto. Ele convidou Marília Batista e pediu que ela escolhesse mais duas cantoras para formarem o trio. Marília chamou Bidú Reis e Salomé Cotelli. Ainda em 1942, gravaram o primeiro disco, acompanhando a cantora Linda Batista. Em 1944, o trio fez muito sucesso no carnaval com a gravação de duas composições de Marília Baptista: “Pobre rapaz” e “É fingimento dela”.

Marília Baptista continuou sua carreira no rádio e no disco. Era reconhecida e elogiada pela imprensa da época como uma cantora de muita personalidade e uma grande compositora. Todos os anos, Marília Baptista lançava várias composições para o carnaval. Em 1944, apresentou o samba “A mulher tem razão”, gravado pelo Rei da Voz, Francisco Alves. Segundo a imprensa da época, o samba logo caiu no agrado do povo.

 

O Casamento

Em 1945, Marília Baptista casou-se com o médico Hugo Cotta dos Santos. Tiveram três filhos: Henrique, Hugo e Valéria Com o casamento, Marília deixou o rádio e a carreira profissional, mas não se afastou da música. Em uma entrevista ao Jornal do Brasil em 1967, Marília afirmou que nunca se afastou de sua arte. Perdi apenas a obrigação profissional, os contratos com empresários. Durante este tempo todo não me separei da música popular brasileira. Fiz muitas músicas, algumas de sucesso.

Casamento na Igreja de São Francisco Xavier

 

Marília e os filhos Henrique, Hugo e Valéria

 

Marília voltou a gravar no início da década de 1950, quando lançou o LP “Samba e outras coisas”, com duas composições de Noël Rosa e composições dela em parceria com o irmão Henrique Baptista. Entre elas, o samba “Você não é feliz porque não quer”.

 

Na década de 1950, Marília Batista gravou o LP “Poeta da Vila”, só com músicas de Noel Rosa, e mais dois compactos com três composições suas e uma de Noel. Em 1960, lançou “Marília Batista, sua personalidade, sua bossa”, no qual gravou o samba “João Teimoso”, que ela musicou a partir de versos deixados por Noël Rosa. No mesmo LP, Marília gravou várias composições de sua autoria. Entre elas “Véspera do amanhã”. A música foi escrita por sugestão de sua amiga Lígia Maria Lessa Bastos, que foi também quem deu o título à canção.

 

Durante a década de 1960, Marília Batista se apresentou em alguns programas de TV e na Rádio Inconfidência em Belo Horizonte. Em 1962, participou do show “Noite da saudade”, promovido pela Associação Atlética Vila Isabel, em homenagem a Noel Rosa. No ano seguinte, lançou o álbum duplo “História Musical de Noel Rosa”, com 60 composições do Poeta da Vila. Entre elas, Último desejo, lançada por Marília, no rádio, em 1937.

 

No fim do ano de 1967, Marília voltou aos palcos com o show Marília fala mais alto, dirigido por Nelson Luna, no Teatro Jovem. Neste espetáculo, Marília apresentou-se acompanhada do conjunto “Os cinco crioulos”, formado por Nelson Sargento, no violão, Anescar, no tamborim, Zé Cruz, no surdo e chapéu de palha, Jair do Cavaquinho e J. Avelino, no pandeiro. Durante a apresentação, foram exibidos depoimentos de Hélio Rosa (irmão de Noël), Lúcio Rangel, Chico Buarque, Almirante, Cristóvão de Alencar e Elizeth Cardoso, que afirmou: Marília, eu sempre fui tua fã, a ponto de ter começado a cantar te imitando, confissão que faço com muito orgulho e sem constrangimento.

Marília relembrou alguns momentos de sua carreira e interpretou algumas de suas composições como “A mulher tem razão”; “Praça Sete”, “Menina Fricote”; “Tamborim batendo”; “Lamento”; “Noite tão noite”, além de “Carolina”, de Chico Buarque, e um pout-porri de composições de Noël Rosa.

Na década de 1970, decidiu voltar a estudar. Formou-se em Direito na Universidade Cândido Mendes. Eu me formei em 78 e fui uma das melhores alunas, junto com aquela garotada toda. Na minha formatura, o reitor me comparou a Rui Barbosa e a Castro Alves. Isso é uma glória que eu vou levar comigo. Porque ali era outro campo. Era o resultado do esforço de uma pessoa de idade já, com o cabelo branco.

A cantora seguiu fazendo apresentações esporádicas em shows e alguns programas de rádio. Porém, nunca parou de compor. Em 1988, participou do “Concerto ao meio-dia”, no Teatro João Teotônio, uma entrevista musical conduzida por Ricardo Cravo Albin. Marília Batista faleceu no dia 9 de julho de 1990, aos 73 anos de idade.

Seu último disco de Marília foi o compacto duplo “Vai Marília”, com as músicas “Vai Marília” (Marília Baptista), “Noite tão noite” (Lauro Gomes e Marília Baptista),  “Garota sapeca” (Marília Baptista) e “Itajubá” (Marília Baptista e Vadinho do Bandolim) gravado e distribuído de forma independente, no fim da década de 80.

 

Seguindo a tradição artística da família, Hugo Baptista, um dos sobrinhos de Marília, também é cantor e compositor. Em 2014, ele criou a banda Florencia. O trabalho pode ser visto no YouTube.

 

admin

error: Content is protected !!