As histórias musicais de Roberto Martins
Por Patrícia Rodrigues
Roberto Martins foi um dos mais inspirados compositores de nosso cancioneiro. Dono de um imenso repertório de sucessos definitivos como o fox “Renúncia” e o samba “Beija-me”, escritos em parceria com Mário Rossi. Ele é autor também da batucada “Cai Cai”, imortalizada pela cantora Carmen Miranda no filme “Uma noite no Rio”; do samba “Favela”, em parceria com Valdemar Silva, e de sambas e marchas que foram sucesso em muitos carnavais como “Meu consolo é você” (parceria com Nássara), “Cadê Zazá” (com Ari Monteiro), “O Cordão dos puxa-sacos” (com Frazão) e “Pedreiro Waldemar” (com Wilson Baptista). Falecido em 14 de março de 1992, deixou centenas de composições, algumas delas cantadas até hoje.
Filho de Francisco José Martins e Isaura Machado Martins, Roberto Martins nasceu no dia 29 de janeiro de 1909, no bairro do Riachuelo, no Rio de Janeiro. Ficou órfão de pai com apenas um ano de idade. A influência musical veio da mãe. Dona Isaura, tocava piano e o filho logo se interessou pelo instrumento. Em 1919, com apenas dez anos de idade, compôs o primeiro samba “Justiça”, que não chegou a ser gravado. Os versos foram publicados, em 1933, no livro “Samba”, de Orestes Barbosa.
Em 1932, quando estava em um café cantando para seus companheiros um samba de sua autoria, foi ouvido pelo Maestro Eduardo Souto. O Maestro gostou da música e disse a Roberto para comparecer a gravadora Odeon no dia seguinte. Foi assim que teve suas primeiras composições gravadas: os sambas “Segredo” e “Regenerado”, levados ao disco pelo cantor Leonel Faria.
Com a gravação de suas composições, Roberto Martins conquistou seu espaço no meio musical. Passou a frequentar os Cafés, onde se reuniam cantores e compositores e logo começou a fazer parte da famosa “roda do Nice”, onde conheceu o Maestro Sátyro de Melo, que escreveu várias pautas para Roberto.
O primeiro grande sucesso veio em 1936, com o samba Favela, em parceria com Valdemar Silva. A música foi inspirada em um filme, e foi oferecida a vários interpretes, entre eles, Aracy de Almeida, Carlos Galhardo, o conjunto Anjos do Inferno e Francisco Alves. Todos se recusaram a gravar, pois já havia uma música tradicional de Hekel Tavares e Joracy Camargo chamada “Favela”. Um dia, Roberto estava na casa de uma amiga, na Rua Mem de Sá, uma francesa chamada Susy. Chico Alves também estava lá e ficou encantado com os filhotes de uma cachorra da raça Basset, que pertencia à Susy. A amiga disse ao cantor que só lhe daria um dos filhotes, se ele gravasse a “Favela” de Roberto Martins. Francisco Alves concordou, ganhou um dos filhotes e quatro dias depois, gravou a música, que se tornou um de seus maiores sucessos. “Favela” recebeu mais de 100 gravações, por diversos cantores, e foi também uma das primeiras músicas brasileiras editadas nos Estados Unidos.
Outro grande sucesso de Roberto Martins é o samba “Meu consolo é você”, em parceria com Antônio Nássara, gravado por Orlando Silva. O samba foi premiado no Concurso de Músicas carnavalescas da Prefeitura. Porém, a direção da gravadora Victor insistia que a música fosse lançada no meio do ano, por considerar que a letra era triste e longa, sem qualquer possibilidade de sucesso no carnaval. Atendendo ao amigo Roberto, Orlando Silva usou seu prestígio e impôs a Victor o lançamento de “Meu consolo é você” para o carnaval ou ele deixaria a gravadora. “Meu consolo é você” foi um dos sambas mais cantados no carnaval de 1939.
Antes do sucesso como compositor, Roberto Martins foi guarda-civil. Desse período, colecionava histórias curiosas. Uma delas aconteceu em 1936, na Cinelândia. Ele encontrou dois rapazes tocando pandeiro na rua, o que na época era proibido e considerado “vadiagem”. Roberto Martins teve que apreender o instrumento e prender a dupla. Na delegacia, descobriu que eles eram artistas e faziam sucesso no rádio formando a dupla Joel e Gaúcho. O pandeiro foi devolvido e os dois foram liberados. Nasceu assim uma grande amizade entre eles. A história também rendeu um samba, feito em parceria com Valfrido Silva e gravado por Castro Barbosa para o carnaval de 1937 – Cadê o pandeiro.
Cadê o pandeiro
que eu mandei você guardar
Vou precisar pra batucar
na roda do samba
O batuque começou
Se você não vai
deixa aí que eu vou
Se você não vai
é porque não quer
Eu não troco o samba
pelo amor de uma mulher
Dentro do batuque
eu me sinto bem
Gosto de você
mas gosto do samba também
Roberto Martins compôs muitas marchas carnavalescas, lembradas até hoje e que tem histórias curiosas. Uma delas é “Pedreiro Waldemar”. O compositor Wilson Batista levou para Roberto a ideia de uma marchinha sobre um pedreiro chamado Waldemar. Roberto lembrou então de uma música que havia feito para satirizar a figura do protagonista de um filme em cartaz na época, chamado Albiné. Tinha um filme no Trianon que tinha um camarada que brigava pelas mulheres e depois que brigava e vencia todo mundo não queria nada com elas. Então eu tinha feito: Você conhece o Albiné? Não conhece? Pois eu vou lhe apresentar. É o homem que briga pelas mulheres e depois não quer casar.
Quando ouviu a ideia de Wilson, resolveu aproveitar a letra, modificando algumas frases e trocando “Albiné” por “Waldemar” e, juntos, terminaram a marcha. Pedreiro Waldemar foi um dos grandes sucessos do carnaval de 1949, na voz do cantor Blecaute.
Além de sambas e marchas, Roberto Martins compôs muitas valsas: “Adeus”, “Dá-me tuas mãos”, “Cecília”, “Bodas de Prata”, entre outras. No Café Carlos Gomes, na Praça Tiradentes, conheceu Jorge Faraj, poeta e letrista que veio a ser um de seus grandes parceiros. Com ele, compôs “Apenas tu”, a primeira valsa do repertório de Roberto Martins.
Com Jorge Faraj, Roberto Martins compôs também os sambas-canções “Menos eu” e “Nunca mais”, o choro “Moleque teimoso”, os sambas “Quem mandou coração” e “Estela”, e as valsas “Terceira valsa de amor”, “Último beijo”, “Sol e chuva” e “Duas sombras”.
Certa vez, quando visitava os estúdios da Rádio Mauá, no Rio de Janeiro, Roberto Martins encontrou o compositor Evaldo Rui. Roberto mostrou a Evaldo um fragmento de linha melódica. “Isso dá uma valsa com tema junino… Vamos tentar?”, disse Evaldo Rui. Assim nasceu a valsa “Rosa Maria”. Gravada por Carlos Galhardo, “Rosa Maria” fez muito sucesso nas festas juninas de 1946.
Roberto Martins também foi o responsável pelo primeiro grande sucesso do cantor Nelson Gonçalves: o Fox Renúncia, gravado em 1942. O fato ficou registrado nos jornais da época. O jornal A Manhã, de 16 de maio de 1943, publicou: É, portanto, Nelson Gonçalves, o cantor popular de mais rápida carreira no país, tendo-se firmado definitivamente na consagração popular com o seu recente e retumbante sucesso com a interpretação do fox Renúncia, de Roberto Martins e Mário Rossi.
A lista de sucessos é imensa e a quantidade de histórias também. Em 1943, compôs mais um samba que se tornou mais um clássico. Roberto dedilhava ao piano três notas sem nenhuma intenção de compor. Mário Rossi chegou e perguntou se ele estava começando alguma canção e logo colocou palavras nas notas: Beija-me. Daí para completarem o samba foi só uma questão de tempo. Nasceu assim o samba “Beija-me”, lançado por Ciro Monteiro, naquele mesmo ano, e regravado mais tarde por Roberto Silva, Lúcio Alves, Elza Soares e, em 2006, por Zeca Pagodinho, provando que música boa não tem época.