Joubert de Carvalho – O feiticeiro das notas musicais

Joubert de Carvalho – O feiticeiro das notas musicais

Por Patrícia Rodrigues

Joubert de Carvalho foi um dos compositores mais produtivos da música brasileira. Ao longo de uma carreira de mais de 60 anos, escreveu mais de 200 composições. O grande compositor brasileiro soube transitar entre o erudito e o popular deixando peças imortais como “Ta-hí”.

No início da década de 1930, ficou conhecido como o “Feiticeiro das notas musicais”. Suas composições eram espontâneas. Segundo Joubert, bastava uma palavra dita por alguém ou uma cena presenciada por ele para que a música surgisse. “Nem parece que sou eu o compositor, mas que sou apenas o receptor”, afirmou o autor em entrevista ao jornal O Globo, em 1971.

Foi assim com a composição “Ta-hí”, um dos maiores sucessos da cantora Carmen Miranda. Certo dia, Joubert ia passando pela Rua Gonçalves Dias quando o gerente da Casa Melodia, conhecido como Sr. Abreu, o chamou para ouvir um disco de uma nova cantora. Tratava-se da então principiante Carmen Miranda. Joubert ficou encantado com a interpretação da cantora e ficou curioso para conhecê-la. Logo em seguida, Carmen chegou a loja e o Sr. Abreu disse: “Taí a cantora”. Inspirado na frase dita pelo gerente da loja, Joubert de Carvalho compôs a marcha “Ta-hí”. A música fez um estrondoso sucesso, foi muito cantada no carnaval de 1930 e permanece até hoje. A marcha “Ta-hí” abriu as portas do estrelato para Carmen Miranda e popularizou Joubert de Carvalho.

Filho do fazendeiro Tobias de Carvalho e de Francisca Gontijo de Carvalho, Joubert nasceu em Uberaba – MG, no dia 6 de março de 1900 e tinha mais 12 irmãos. A família morava próximo ao local onde uma banda da cidade sempre ensaiava. Joubert gostava de sentar na porta de casa para ouvir. Era fascinado por música. Por ocasião das festas típicas do interior, a banda fazia a alvorada e Seu Tobias acordava toda a família para acompanhar o desfile.

O talento de Joubert para a música se revelou quando ele ainda cursava o primário. Com apenas oito anos de idade, compôs sua primeira valsa. Mais tarde, em 1913, a família mudou-se para São Paulo. Joubert e seus irmãos foram matriculados no Ginásio de São Bento. Na época, estava sendo inaugurado em São Paulo o Hospital da Cruz Vermelha para crianças. Joubert, que nessa época também frequentava o Conservatório de Música, lembrou-se da valsa que compôs alguns anos antes e que ainda estava sem nome. Decidiu batizá-la de “Cruz Vermelha”. Entusiasmado com o talento do filho, Seu Tobias mandou imprimir 500 cópias da partitura para que fossem vendidas em benefício do hospital. O feito do jovem compositor mereceu destaque na Revista O Tico-tico, que o chamou de “Um futuro Verdi”. Estimulado pelo sucesso de sua primeira música, Joubert não parou mais de compor. A Editora Campassi & Camin passou a editar suas músicas. Entre 1914 e 1918, Joubert teve cerca de 20 músicas editadas.

Em 1919, Joubert mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar medicina, mas não abandonou a música. Na faculdade, tornou-se amigo do filho do cientista Oswaldo Cruz. Costumava frequentar a casa da família e a tocar piano. Sempre muito inspirado, um dia escreveu um tango, ao qual deu o nome de “Cinco de janeiro”, a pedido da esposa de Oswaldo Cruz, em homenagem a data de seu casamento.

Joubert foi tornando-se conhecido no Rio de Janeiro e suas músicas passaram a ser tocadas nos bailes dos principais salões da cidade. A primeira composição de Joubert levada ao disco foi o tango fado “Noivos”, gravada em 1921 por Oscar Pereira Gomes.

Em um dia chuvoso, Joubert de Carvalho foi convencido por um amigo a não ir para a faculdade e ficar em casa compondo. Joubert sentou-se ao piano e, inspirado pelo som da chuva, compôs um fox. À noite, o mesmo amigo o levou a uma festa na casa de Pedro Fernandes, dono da Tabacaria Londres. Quando chegou lá, uma senhora pediu para que ele tocasse “Cinco de janeiro”. Joubert atendeu ao pedido e, em seguida, tocou a música que havia acabado de compor. Admirados, todos perguntavam quem era o pianista e qual era o nome da música. Uma jovem disse: “Esse é o príncipe dos foxtrotes!”. A composição que ainda estava sem nome, recebeu o título de “Príncipe” e foi uma das músicas mais executadas nas festas do Centenário da Independência do Brasil, em 1922. O fox foi gravado pela orquestra Augusto Lima e levado para Paris por uma companhia francesa de teatro de revista. Foi uma das primeiras músicas brasileiras gravadas no exterior. Após receber uma letra, o fox foi gravado em 1931, por Francisco Alves.

Mesmo depois de se formar em medicina, Joubert não abandonou a música. Sua tese de formatura recebeu menção de louvor da banca examinadora. Foi um estudo sobre as vibrações das válvulas cardíacas, intitulado “Os sopros musicais do coração”. Joubert conseguiu conciliar as duas carreiras. Continuou compondo e passou a clinicar em um consultório na Rua Álvaro Alvim, na Cinelândia. Anos mais tarde, tornou-se médico do Instituto dos Marítimos, onde chegou a ser diretor do hospital. Foi também um dos primeiros a empregar a medicina psicossomática no Brasil.

Joubert era um grande apreciador de música clássica e de poesia. No fim da década de 1920, Joubert ficou fascinado com as poesias de Olegário Mariano. Após ler “Cai, cai balão” e “Tutu Marambá”, resolveu musicar as duas poesias. O compositor estava em companhia de seu amigo Pezzi, um tenor do Theatro Municipal que, entusiasmado com o que ouviu, decidiu promover o encontro de Joubert com Olegário Mariano. Nasceu assim uma das maiores parcerias do compositor. Olegário Mariano teve mais de 20 poesias musicadas por Joubert de Carvalho. Entre elas “Renúncia”, uma típica modinha de salão, gravada em 1930 por Olga Praguer Coelho, o cateretê “De papo pro á” e a Canção “Zíngara”, ambos gravados por Gastão Formenti, e a canção “Dor de recordar”, gravada por Francisco Alves.

O ano de 1931 também foi muito produtivo para Joubert. Foi quando ele encontrou o teatrólogo Paschoal Carlos Magno. Ele ia estrear uma peça chamada “Pierrot” e pediu a Joubert uma canção para abrir o espetáculo. A música seria interpretada pelo cantor Jorge Fernandes. No dia seguinte, Joubert apresentou a música pronta e Pachoal colocou a letra. A composição recebeu o mesmo nome da peça: “Pierrot” e foi o grande sucesso do espetáculo, sendo repetida três vezes pelo cantor na estreia. A composição é considerada uma das mais belas canções brasileiras.

 

Maringá, a cidade que nasceu de uma canção de Joubert de Carvalho

Em 1931, Rui Carneiro, oficial de gabinete do então Ministro da Viação, José Américo, sugeriu que Joubert fizesse uma música retratando as condições de vida dos nordestinos que sofriam com a seca. Uma das cidades mais atingidas se chamava Ingá. O compositor imaginou uma retirante chamada “Maria do Ingá” e observou que a contração do nome dava um excelente título: “Maringá”. Mais tarde, em 1947, foi criado um distrito e construída uma cidade para imigrantes no Paraná. Durante a construção, os operários cantavam a canção de Joubert de Carvalho e em sua homenagem deram o nome de Maringá à nova cidade. A música foi gravada em 1932, por Gastão Formenti, e regravada diversas vezes. Em 1957, Joubert foi homenageado pelos moradores de Maringá e pelo prefeito da cidade, tendo uma das ruas batizada com seu nome. Esta foi uma das maiores emoções de sua vida.

Entre 1935 e 1955, Joubert de Carvalho escreveu várias composições de sucesso, como “A carícia de suas mãos”, gravada por Sylvinha Mello; “Amor, amor” e “Ninguém tem um amor igual ao meu”, por Carmen Miranda; “Não me abandones nunca”, “Nunca soubeste”, “Minha casa”, “O silêncio do cantor” e “Flamboyant, por Silvio Caldas; “Em pleno luar” e “Maria, Maria”, por Orlando Silva; “Jeremoabo”, por Gilberto Milfont, e “Baía de Guanabara”, por Francisco Alves, entre outros. Participou de um concurso de canções de aniversário, em 1952, e ganhou o prêmio com a composição “Canção de aniversário”, levada ao disco por Neide Fraga.

A influência de ritmos estrangeiros, a Bossa Nova, e outras mudanças no meio musical, fizeram Joubert de Carvalho se afastar do cenário artístico, entre 1955 e 1960. As músicas escritas nesse período permaneceram inéditas. Nessa época, passou a se dedicar ao estudo da filosofia. Apreciava Tomás de Aquino, Spinoza, Bergson e Jung. Joubert se dizia um apaixonado pela metafísica. Em 1938, escreveu um romance místico intitulado “Espírito e sexo”.

Joubert de Carvalho participou de dois Festivais de Serestas. Em 1969, ficou em primeiro lugar com “Sol na estrada” e no ano seguinte repetiu o êxito com a valsa “A flor e a vida”.

Após ter enriquecido a Música Popular Brasileira com composições que enfeitiçavam o público pela beleza de suas melodias, Joubert faleceu no dia 20 de setembro de 1977, aos 77 anos de idade.

Extremamente discreto e educado, o grande compositor brasileiro soube transitar entre o erudito e o popular deixando peças imortais como “Ta-hí”, conhecida mundialmente. Sua facilidade e espontaneidade para compor justificam o epíteto que lhe foi dado no início da carreira: “O feiticeiro das notas musicais”.

 

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